Para toda ação há uma reação, Isaac Newton que o diga. Tudo o que fazemos, inclusive as tecnologias que criamos, proporcionam resultados e consequências, e algumas delas acabam sendo não intencionais.
Os aplicativos de relacionamento utilizados para aplicar golpes, os impactos das redes sociais na saúde mental ou o aumento de casos de vazamento de dados pessoais são apenas alguns exemplos de consequências não previstas causadas pela tecnologia.
Mas o que isso quer dizer? Claro que os avanços tecnológicos não vão parar, então, o que resta é tentar entender o que são consequências não intencionais para melhor administrá-las.
Neste artigo, entenda o que é a lei das consequências não intencionais, como elas se manifestam e o que você pode fazer para minimizar seus impactos.
A lei das consequências não intencionais
A lei das consequências não intencionais prevê que toda ação feita por uma pessoa, uma empresa ou pelo governo pode ter efeitos de grande impacto — positivos ou negativos — e que não foram previstos.
Uma das características das consequências não intencionais é que elas acontecem no longo prazo, tornando-se difícil de serem previstas.
Um exemplo bastante interessante é a criação do modelo Ford T, por Henry Ford, o primeiro automóvel fabricado em grande escala.
Em um primeiro momento, podemos dizer que o objetivo de Ford era proporcionar mais facilidade e velocidade para o transporte das pessoas de sua época. E de fato ele conseguiu mudar a maneira com que as pessoas se locomoviam e por isso sua marca e empresa perpetuam até hoje.
O que provavelmente Ford não conseguiu prever foi a mudança na sociedade que o seu modelo T também proporcionaria.
Cerca de 20 anos depois da fabricação do primeiro automóvel, Ford já contava com 15 milhões de unidades produzidas. Isso fez com que as pessoas não precisassem mais morar perto do trabalho ou de pontos de transporte público.
Essa mudança contribuiu para a expansão urbana e até mesmo para a criação de sub-cidades, longe dos grandes centros urbanos.
No entanto, além dessas, existiram outras consequências não intencionais, como a necessidade de criação de novos órgãos públicos, novos impostos, novas leis e novas formas de planejamento urbano.
Por isso que é difícil prever todas as consequências de uma nova tecnologia ou mudança, mas devemos tentar geri-las ao máximo. Porque certas consequências podem ter impactos muito negativos para as pessoas.
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O lado inesperado da tecnologia
O exemplo de Ford é interessante, mas ao mesmo tempo distante. Apesar das consequências não intencionais serem reais, nós não vivemos esse impacto no dia a dia e por isso talvez a gente se sinta longe dessa situação.
Mas é importante lembrar que as consequências não intencionais são frutos de diversas mudanças causadas por algum tipo de tecnologia.
Inclusive, não é incomum ver alguns problemas ocasionados por tecnologias mais recentes como:
- golpes utilizando aplicativos de relacionamento;
- problemas de saúde mental por conta de filtros de imagem em redes sociais;
- roubo e vazamento de informações pessoais cadastradas em sites;
- divulgação de Fake News e deep fakes;
- utilização de aplicativos para identificar e oprimir minorias.
Portanto, as consequências não intencionais tendem a continuar acontecendo conforme novas tecnologias vão surgindo.
Isso quer dizer que o avanço tecnológico deve ser freado? Não, de forma alguma. Mesmo porque muitas tecnologias ajudam a sociedade e as pessoas em diversos aspectos, desde educação e segurança, até saúde e novas formas de se relacionar.
A questão é que as empresas, usuários e o governo devem entender que consequências não intencionais sempre vão existir e devem procurar maneiras de evitar e administrá-las da melhor maneira possível.
O ser humano se adapta a novas tecnologias
Os exemplos de consequências não intencionais acima descrevem algumas situações que sempre existiram, independente da tecnologia.
Roubo, mentiras, opressão e golpes sempre fizeram parte das sociedades e do mundo. Os avanços tecnológicos não necessariamente criam novos problemas, mas fazem com que as pessoas tenham as mesmas atitudes de maneira mais avançada e aprimorada.
Os golpes através de aplicativos de relacionamento são ações aperfeiçoadas dos golpes via telefone, que por sua vez são versões melhores dos golpes por correspondência e assim por diante. O crime é o mesmo, a forma é que se tornou mais avançada.
Nesse sentido, podemos ver que há certos hábitos e padrões de comportamento que vão se adaptando conforme novas tecnologias são desenvolvidas.
Portanto, entender os comportamentos e adaptabilidade das pessoas às novas tecnologias é importante para tentar melhorar produtos e reduzir seus impactos negativos e consequências não previstas.
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Como as consequências não intencionais se manifestam?
Existem diferentes formas como as consequências não intencionais podem se manifestar.
De acordo com um artigo publicado na Journal of Services Marketing, existem 3 principais níveis por onde as consequências podem se manifestar:
- individual;
- organizacional;
- governamental.
Nível individual
O nível individual das consequências não intencionais talvez seja o mais lembrado e diz respeito sobre o uso da tecnologia no nível do consumidor/ pessoas usuárias.
A esse respeito, as consequências não previstas podem se manifestar das seguintes formas:
Interações sociais negativas: quando a tecnologia é utilizada pelas pessoas usuárias para compartilhar discursos de ódio, de discriminação e ofensas de qualquer tipo.
De maneira geral, redes sociais não foram criadas com o intuito de disseminar esse tipo de discurso. No entanto, não é raro ver esse tipo de manifestação em diversas plataformas.
Mau uso intencional: quando pessoas mau intencionadas fazem uso da tecnologia para prejudicar as outras.
Aqui, exemplos bastante comuns são o uso de aplicativos de relacionamento para aplicar golpes e extorquir/roubar dinheiro. Da mesma forma, pessoas se passando por outras e mandando mensagens via aplicativos pedindo dinheiro também são casos recorrentes e de mau uso intencional da tecnologia.
Mau uso acidental: ao contrário do item anterior, há situações em que as pessoas fazem mau uso da tecnologia de forma acidental e que acaba trazendo prejuízos e riscos para elas mesmas.
Durante a pandemia, muitas reuniões passaram a ser feitas através de aplicativos como Zoom, mas que, inicialmente, não estavam preparados para tanta demanda. Reuniões com teor confidencial estavam mais vulneráveis e poderiam ser hackeados mais facilmente.
Efeitos prejudiciais para a saúde: não é raro ouvir falar sobre como as redes sociais prejudicam a saúde mental das pessoas, principalmente jovens adolescentes.
Esse aspecto é um grave caso de consequências não intencionais, em que há uma onda de problemas relacionados à auto estima, insegurança, depressão, ansiedade, entre outros.
Além disso, a forma com que algumas plataformas e aplicativos funcionam pode promover vícios, atrapalhando a produtividade e até mesmo a qualidade do sono das pessoas usuárias.
Nível organizacional
O nível organizacional das consequências não intencionais é sobre os riscos que a má gestão da tecnologia pode proporcionar para as empresas.
Basicamente, os efeitos se manifestam de duas formas:
Brechas de segurança: quando os dados das pessoas usuárias são corrompidos e roubados, por falta de segurança ou negligência.
Esses ataques não são raros, muito pelo contrário, eles estão cada dia mais frequentes:
Mau uso de dados: outra manifestação de consequência não intencional é o mau uso proposital dos dados dos clientes e pessoas usuárias, por parte das empresas.
A falta de transparência, venda de dados, ou qualquer tipo de mau uso de dados se tornou um tema latente e preocupante.
Aqui no Brasil surgiu a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) que visa regular o tratamento de dados pessoais das pessoas, por parte das empresas.
Nível governamental
O último nível diz respeito ao trato da tecnologia do ponto de vista governamental e como isso pode criar consequências não intencionais.
Nesse sentido, podemos descrever as seguintes formas:
Dificuldades legislativas: algumas tecnologias podem esbarrar na jurisdição de diferentes países ou governos.
Isso geralmente acontece quando um aplicativo, por exemplo, é desenvolvido para ser distribuído globalmente, mas não são feitas pesquisas para entender se há algum impeditivo legal em cada governo e país.
Espionagem: algumas tecnologias podem não ter seu objetivo comercial atingido porque podem existir políticas de governo para a não utilização de determinados aplicativos ou serviços.
Em 2019, o Pentágono, nos EUA, determinaram que militares não devessem utilizar serviços de ancestralidade e DNA, por risco de terem dados roubados.
De fato, essas são preocupações que acometem governos e as tecnologias e empresas podem sofrer com esse tipo de consequência não intencional.
Mau uso intencional: as tecnologias ainda podem ser mal utilizadas pelos governos de forma intencional.
Em países onde a homossexualidade é crime, as autoridades podem utilizar aplicativos de relacionamento homoafetivo para identificar e oprimir as pessoas.
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Como administrar as consequências não intencionais?
Depois desses exemplos e de explicar as manifestações das consequências não intencionais, pode parecer que investir em tecnologia seja algo errado. Mas na verdade não é.
Toda tecnologia ou ação que a use está sujeita a consequências que inicialmente não conseguimos prever. A ideia não é exatamente desenvolver um produto que não tenha consequências, mas tratá-las como algo inerente ao processo.
Nesse sentido, para melhor administrar as consequências não intencionais, você pode pensar em implementar algumas ações, como:
Colocar a questão na mesa: quanto mais as pessoas estiverem cientes da existência de consequências não intencionais, melhor. Principalmente quando trata-se de empreendedores e investidores.
É importante sempre pensar e compartilhar sobre as consequências do negócio e deixar todo mundo a par da situação.
Criar grupos internos: é importante que haja dentro da empresa um grupo ou comitê responsável para lidar com as consequências não intencionais.
Esse grupo tem a função de aconselhar e ajudar a empresa quando houver alguma ocorrência de consequência não esperada.
Trabalhar junto com órgãos regulatórios: empresas de tecnologia devem se aproximar de órgãos regulatórios que possam auxiliar e ajudar no gerenciamento de consequências não intencionais.
No caso do Brasil, órgãos como ANVISA, CADE e ANATEL podem ser exemplo de instituições importantes no auxilio às empresas.
E do ponto de vista de UX Design?
Além da parte gerencial alheia ao produto, existem questões relacionadas à UX Design que podem ajudar reduzir o impacto ou a ocorrência de consequências não intencionais. São elas:
Pense na experiência social: como as pessoas usuárias vão utilizar o produto de maneira social? Quais os impactos nos diferentes níveis da sociedade e também no meio ambiente? Quais os custos escondidos do produto?
As pessoas são o centro: claro que falando sobre UX Design um dos pilares para desenvolver melhores produtos e experiência é colocar as pessoas usuárias no centro das tomadas de decisão.
Particularmente quando falamos sobre consequências não intencionais, pensar de maneira holística na experiência das pessoas é importante para tentar reduzir os impactos não esperados.
Pense na diversidade: não somente na questão das pessoas usuárias, mas dentro do próprio time de design.
Quando colocamos diversos pontos de vista para criar algo novo, esse desenvolvimento se torna muito mais rico e consegue abranger questões que uma única pessoa não seria capaz de enxergar.
Portanto, pense em times diversos e multidisciplinares para desenvolver melhores produtos, boas experiências e evitar consequências não intencionais.
Aprenda e corrija: as consequências vão acontecer, o importante é aprender com elas e corrigir o mais rápido possível.
As consequências não intencionais acontecem desde sempre e não vão parar de acontecer. Mas com o avanço mais veloz da tecnologia, é importante pensar em como minimizar possíveis impactos.
Não importa como as consequências possam se manifestar, se no nível individual, organizacional ou governamental, é trabalho das empresas, do governo e das próprias pessoas usuárias em utilizar as tecnologias de forma ética e cobrar quaisquer partes interessadas no processo.
Diante disso, o UX Design possui um papel importante para conseguir desenvolver produtos com experiências melhores, centrados nas pessoas e que possam diminuir os impactos e ocorrências de consequências não intencionais.