Pensar na acessibilidade e inclusão é criar oportunidades para que pessoas com deficiência tenham equidade nas tarefas e situações do dia a dia.
Hoje, a consciência sobre esse tema é muito maior do que tempos atrás, mas ainda assim há muito o que evoluir. Principalmente quando o assunto são jogos e consoles.
Você já reparou como os jogos requerem certas habilidades corporais que podem restringir o acesso de pessoas com deficiência? Seja por conta da falta de elementos textuais, ou impossibilidade de reprogramar controles.
Nesse sentido, é importante que a área de UX Design e os desenvolvedores de jogos comecem a criar meios de acesso para que os games se tornem cada vez mais inclusivos.
Neste artigo, abordaremos quais são as principais dificuldades que as pessoas com deficiência possuem em relação aos jogos e traremos algumas boas práticas para serem levadas em consideração.
O que é acessibilidade?
Acessibilidade é a disposição para criar oportunidades para que as pessoas consigam transpor obstáculos nas diversas situações sociais do dia a dia.
Nesse sentido, é bastante fácil associar a acessibilidade a lugares físicos, como rampas de acesso, portas mais largas e piso táteis.
Mas a acessibilidade deve estar presente em todos os ambientes, inclusive nos digitais.
Garantir o acesso e a inclusão de pessoas com deficiência é essencial no trabalho do UX Design. Com isso, proporcionar a inclusão digital é criar condições para que mais usuários utilizem os produtos.
Além disso, tornar os produtos acessíveis não contempla somente as pessoas com deficiência, mas qualquer pessoa que esteja impossibilitada de usufruir de total experiência, devido a:
- lugares silenciosos ou muito barulhentos;
- deficiência permanente ou apenas um braço quebrado;
- dispositivos de tamanhos diferentes, sejam celulares, tablets ou computadores.
Para conferir mais sobre como tornar seus produtos digitais mais acessíveis, confira o nosso artigo:
Nosso foco, neste texto, é abordar a acessibilidade no mundo dos games.
Por que pensar na acessibilidade em games?
O número de pessoas que jogam video games já passou de 2,5 bilhões em todo o mundo, desde 2019.
Segundo o site Statista, a previsão é que esse número chegue a 3,07 bilhões em 2023.
Em outra pesquisa, feita somente nos EUA, foi identificado que 20% dos jogadores de games casuais possuem algum tipo de deficiência. Esse número fica ainda mais interessante se comparado número total de pessoas com deficiência dos EUA, os quais representam 15% da população do país. No Brasil, segundo o IBGE, o número de pessoas com deficiência representa 6,7% da população.
Ou seja, o número de pessoas com deficiência que jogam é bastante alto e, por isso, é importante pensar em como tornar os jogos mais acessíveis para elas.
No entanto, apesar dos números representarem uma boa oportunidade de negócios, a acessibilidade em games também deve ser vista como algo que traz benefícios humanos.
Os games representam um tipo de entretenimento muitas vezes utilizado para trazer uma sensação de escapismo da realidade, para relaxar e passar um tempo em um mundo completamente diferente.
Além disso, os games também são importantes para questões culturais e sociais e as pessoas com deficiência não devem ser impossibilitadas de usufruir desses benefícios.
UX Design e a acessibilidade em jogos
Tendo em mente os conceitos de acessibilidade e a importância que ela tem no mundo dos games, começamos a entender como o UX Design pode melhorar essa experiência.
Como profissionais da área, os UX Designers devem garantir que as experiências dos jogos consigam abranger todas as pessoas, independente das dificuldades.
Durante muito tempo, os desenvolvedores de jogos criavam experiências baseadas em pessoas que tinham determinadas habilidades sensoriais, motoras e intelectuais.
Nesse sentido, os esquemas de cores, os comandos dos controles, os sons, tudo era desenvolvido para pessoas que não possuíam nenhuma deficiência.
Portanto, uma etapa importante para desenvolver jogos mais acessíveis é pesquisar, entrevistar e ouvir os usuários com deficiência.
Os desenvolvedores da Naughty Dog, responsável pelo jogo The Last of Us Part II, sabem bem o que é desenvolver jogos acessíveis baseados nas necessidades dos usuários.
“Para The Last of Us Part II, no que diz respeito aos recursos que queríamos incluir [de acessibilidade], as sugestões vieram dos fãs. Nós conversamos muito com eles e, eventualmente, decidimos convidá-los para o estúdio para que pudessem compartilhar com o time suas experiências e, assim, nos ajudar no processo de fazer com que nosso game atendesse às suas necessidades”. Emilia Schatz, Naughty Dog
Ou seja, UX Design para o desenvolvimento de games inclusivos e acessíveis, continua sendo UX Design. É importante estabelecer empatia e conversar com os usuários para entender as suas dificuldades e necessidades para propor soluções.
Dica de Leitura: O Que é Empatia e Por Que é Importante em UX Design?
Quais as principais dificuldades com a experiência de jogo?
Quando falamos em pessoas com deficiência, devemos levar em consideração as seguintes limitações:
- visuais;
- auditivas;
- motoras;
- intelectuais.
Cada uma dessas limitações implica em dificuldades específicas com a experiência dos jogos e devem ser levadas em consideração no desenvolvimento de games.
Deficiências visuais
Nos jogos, as dificuldades variam de acordo com o grau da deficiência visual, podendo ser total ou parcial.
De maneira geral, situações do jogo que envolvem exclusivamente a visão — não havendo feedbacks sonoros — são as que causam mais dificuldade para as pessoas com deficiência visual.
Embora alguns jogadores consigam se basear somente nos sons para seguir com o gameplay, o ideal é pensar em maneiras de deixar as situações mais acessíveis.
Além disso, a deficiência visual pode ser apenas parcial ou então contemplar as pessoas que têm algum grau de daltonismo e que possuem dificuldade para enxergar certas cores.
Deficiências auditivas
As pessoas com deficiência auditivas encontram bastante dificuldades em jogos que não possuem legendas ou a tradução de sons e narrativas em textos acessíveis. Muitas situações dentro do gameplay acontecem por meio de feedbacks auditivos e dão dicas para os jogadores sobre o que está por vir.
Além disso, muitos jogos online possuem chats de voz para que os jogadores possam combinar estratégias e fazer comentários durante a partida. Nessas situações, as pessoas com deficiência auditiva ficam excluídas por não possuírem ferramentas que permitem sua participação nessas conversas.
Deficiências motoras
As dificuldades envolvendo deficiências motoras estão bastante relacionadas aos controles dos consoles e acessibilidade dos teclados, no caso de jogos para computador.
Pessoas com deficiências motoras podem não conseguir utilizar os controles, ou porque não possuem membros completos — como mãos, dedos e braços — ou porque possuem limitações de coordenação, força ou agilidade.
Deficiências intelectuais
As deficiências intelectuais incluem distúrbios como síndrome de down, dislexia, TDAH, entre outros.
Nesse sentido, as principais dificuldades encontradas em jogos estão relacionadas à própria complexidade do gameplay.
Além disso, as deficiências intelectuais exigem bastante cuidado com relação ao tipo e gênero de jogo. Por mais que pesquisas já indicaram que jogos violentos não influenciam comportamentos violentos, a situação pode ser diferente quando tratamos com pessoas com deficiência.
No mais, e particularmente para pessoas com deficiências intelectuais, a rotina de jogos pode ser de bastante ajuda para desenvolver o raciocínio, atenção e reflexos. Existem muitos jogos educativos voltados para o público com deficiência.
Dica de Leitura: UX Design em Games — Como Melhorar a Experiência do Jogador
O que considerar nos jogos em termos de acessibilidade?
A acessibilidade, portanto, é um tema fundamental a ser considerado no desenvolvimento de jogos e possibilita a inclusão de uma boa parcela de pessoas na base de jogadores.
Para começar a entender melhor o que se deve considerar em termos de acessibilidade nos games, o site Game Accessibility Guidelines traz um guia de boas práticas para os desenvolvedores de jogos.
Esse guia é dividido em 3 categorias: básico, intermediário e avançado.
As categorias foram criadas levando em consideração 3 fatores:
- Alcance (número de pessoas que são beneficiadas);
- Impacto (a diferença que faz na vida dessas pessoas);
- Valor (os custos de implementação).
Cada categoria possui subgrupos de acordo com o tipo de deficiência: motora, intelectual, visual e auditiva/fala.
Neste artigo abordaremos apenas as linhas gerais das boas práticas desse guia. Sugerimos que você acesse o site e estude mais a fundo sobre as ações que eles indicam.
Deficiências motoras
A ideia é implementar soluções que permitam que os usuários consigam usar os controles de forma mais acessível, bem como garantir mais mobilidade para o jogador, permitindo ajustes nos tamanhos de tela e responsividade.
Dessa forma, algumas práticas que o Game Accessibility Guidelines propõe são:
- Permitir que os controles possam ser redefinidos/ reconfigurados;
- Inclusão de ajuste de sensibilidade nos controles;
- Inclusão de opção de velocidade do jogo;
- Evitar repetição em massa de ações (múltiplos cliques em um mesmo botão);
- Permitir redimensionamento das interfaces;
- Permitir jogar em modo paisagem ou retrato.
Deficiências intelectuais
A ideia é diminuir a complexidade do jogo, trazendo opções de tutoriais, guias e lembretes, além de dar a possibilidade de replay das narrativas e de desativar elementos interativos.
Algumas práticas propostas pelo guia de acessibilidade são:
- Usar linguagens simples para os textos e narrativa;
- Inclusão de tutoriais;
- Permitir que o jogador tenha controle sobre a velocidade dos textos;
- Incluir dicas e guias dentro do jogo;
- Deixar claro quais elementos são interativos;
- Permitir a possibilidade de desligar os movimentos de background;
- Inclusão de opção de velocidade de jogo;
- Permitir que partes violentas e sangrentas sejam desativadas;
- Possibilitar o replay das narrativas.
Deficiências visuais
A acessibilidade para deficiências visuais levam em consideração formatação e cores dos textos, boa qualidade de sons e a possibilidade de descrição por áudio.
Algumas das práticas do guia são:
- Proporcionar bom contraste entre os elementos/ textos e o background;
- Utilizar formatação de texto simples;
- Garantir suporte para leitores de tela (para mobile);
- Proporcionar possibilidade de ajuste de contraste;
- Proporcionar controle de volumes separados para música, textos, sons ambiente;
- Usar sons diferentes entre objetos e situações;
- Permitir gravações binaural.
Dica de Leitura: Cores em UI — Um Guia Rápido Para Usar em Seus Projetos
Deficiências auditivas
A ideia é garantir que todos os sons sejam acessíveis de forma textual ou a partir de outra ferramenta, para que o jogador consiga ter a mesma experiência sem precisar efetivamente ouvir.
Para isso, algumas práticas do guia de acessibilidade são:
- Proporcionar legendas para os diálogos e narrativas;
- Proporcionar chat de texto;
- Incluir opções de comunicação visual em modo multiplayer;
- Utilizar sinais e símbolos.
Deficiência da fala
A acessibilidade para pessoas com deficiência da fala traz práticas relacionadas às alternativas aos inputs e chats de voz.
Nesse sentido, boas práticas incluem:
- Garantir que inputs e comandos de voz não sejam obrigatórios;
- Incluir chat de textos;
- Incluir elementos de interação que entendem vocabulários limitados.
Além de abordar a acessibilidade para todos esses tipos de deficiência, o Game Accessibility Guidelines também coloca boas práticas gerais para melhorar a experiência dos jogadores com relação à dificuldade dos jogos, controles e configurações gerais.
Bons exemplos de acessibilidade em jogos
Como visto, a acessibilidade é um tema extremamente relevante e que deve ser prioridade em diversas situações, inclusive no desenvolvimento de jogos.
Infelizmente o cenário ainda não é o ideal, mas já existem algumas boas iniciativas e projetos acontecendo sobre o tema.
Microsoft
Um bom exemplo para citar é a criação do Adaptive Controller, para o Xbox One, pela Microsoft.
Esse controle é maior, com botões maiores e programáveis, e possibilita a conexão com outros dispositivos como computadores, botões externos e joysticks.
Além disso, a Microsoft tem seu próprio guia de Acessibilidade: XAG (Xbox Accesibility Guidelines), que ajuda os desenvolvedores a criar jogos mais inclusivos e a derrubar barreiras para pessoas com deficiência.
Mas o mais interessante é que agora os desenvolvedores conseguem enviar os seus jogos para a própria Microsoft para que seu time de acessibilidade avalie se o game cumpre com todas as exigências descritas no guia.
É um grande passo para garantir não somente a acessibilidade nos jogos, mas também que os times de desenvolvedores entendam melhor como aplicar o XAG em seus produtos.
The Last of Us Part II
Outro exemplo que surpreendeu a todos foi o jogo The Last of Us Part II.
O jogo conta com 60 configurações de acessibilidade, conseguindo abordar deficiências motoras, auditivas e visuais.
Por ser um jogo de alta circulação (AAA), The Last Of Us Part II abriu as portas para que os desenvolvedores de jogos e UX Designers pensem mais a respeito da acessibilidade em seus projetos.
Apesar de ser um grande passo, TLOU II ainda possui algumas falhas, o que pode ser considerado normal, tendo em vista que esse talvez seja o primeiro grande jogo a trazer todo esse leque de controles acessíveis.
A consciência da importância da inclusão e acessibilidade está crescendo e devemos contribuir para que pessoas com deficiência consigam participar cada vez mais dos jogos e da vida digital.