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Arte Visual

Caravaggio: Luz, Sombras, Rebeldia e Fotografia

por
Felipe Guimaraes e Equipe Aela
11/7/2022
4
minutos de leitura
Índice de conteúdos

Caravaggio foi um pintor italiano muito conhecido por suas obras chocantes que apresentavam um incrível jogo de sombras, luz e contrastes.

Utilizando técnicas como tenebrismo, Caravaggio é considerado um dos primeiros artistas a pensar como um fotógrafo.

Apesar da sua vida conturbada, rebelde e curta, o artista italiano conseguiu deixar a sua marca na história da arte e suas obras influenciam pessoas até hoje.

Dica de Leitura: Renascentismo - O Ser Humano No Foco Das Artes

A vida de Caravaggio

Michelangelo Merisi nasceu em 1571, muito provavelmente em Milão, não muito longe da vila da qual sua família vinha, Caravaggio. Anos mais tarde, o artista adotaria para si o nome deste local.

A vida de Caravaggio foi marcada por acontecimentos turbulentos. Aos 6 anos de idade seu pai, Fermo di Bernardino Merisi, morreu junto com seus tios, de peste bubônica. A partir disso, Caravaggio e seus irmãos foram criados pela suas tias e mãe, até que esta faleceu em 1590.

As mulheres que o criaram eram muito religiosas, mas ao invés de se tornar também um religioso, Caravaggio criou uma grande aversão pela religião. Apesar disso, retratou muitos quadros de caráter bíblico, como veremos mais à frente.

Começo de carreira

Aos 12 anos de idade, Caravaggio foi aprendiz do pintor Simone Peterzano. No entanto, pouco se sabe o que Caravaggio aprendeu com o pintor, visto que suas obras futuras não tinham nenhuma influência de Peterzano, tampouco suas técnicas de pintura.

Com parte da herança deixada por sua mãe, o artista partiu para Roma e lá conheceu e conviveu com muitos artistas e arquitetos italianos e internacionais. Roma estava atraindo a atenção desses profissionais por conta dos projetos de reconstrução e embelezamento da cidade.

Apesar da herança de sua mãe, Caravaggio passou fome e chegou a ser internado por conta das consequências de sua miséria. Chegava a pintar quadros como forma de sustento, mas os pagamentos que recebia eram muito baixos.

A sua vida começou a mudar quando foi notado pelo Cardeal del Monte, um clérigo sofisticado, amante das artes. Del Monte abrigou Caravaggio, deu alojamento, comida e o pagava para pintar quadros exclusivos para si.

Nessa época, Caravaggio pintava paisagens, natureza-morta e alguns poucos quadros sacros. Mas o mercado não estava pagando tão bem para esse tipo de trabalho.

Cesta de Fruta - Natureza Morta, de Caravaggio
Cesta de Fruta | Fonte: Creative Commons

A Itália da segunda metade do século XVI estava passando pela Contrarreforma, e o país estava assistindo a ascensão de igrejas e arquiteturas religiosas. Era aí que estavam as oportunidades para dinheiro e fama.

A sorte de Caravaggio mudou em 1599, quando recebeu uma proposta para pintar duas grandes obras para a Capela Contarelli. Esse foi o começo para o artista que, tão logo, começou a receber diversas outras encomendas e, em pouco tempo, já acumulava boa fama pela Europa.

Artista temperamental

Se por um lado Caravaggio ficou famoso por sua técnica, dramaticidade e por obras chocantes, por outro lado também ficou conhecido por ter um temperamento mais difícil.

Era comum vê-lo brigando, ameaçando e perturbando pessoas por onde passava. Por conta disso, suas passagens pela polícia ficavam cada vez mais frequentes, chegando até a ser preso algumas vezes.

Apesar desse histórico de balbúrdia, Caravaggio não pode ser julgado apenas pela suas passagens pela polícia. O artista tinha amizades com nobres, artistas refinados e pessoas importantes na sociedade. Até há relatos de ser uma pessoa bastante estudiosa, apesar de não admitir.

A vida particular de Caravaggio é, em partes, desconhecida. Portanto, não dá para saber de verdade como eram suas relações e como ele vivia.

Infelizmente, em uma dessas brigas nas quais se metia, Caravaggio acabou matando o procurador e mercenário Ranuccio Tommasoni. Essa situação garantiu que sua cabeça fosse levada a prêmio.

Após o incidente, Caravaggio fugiu de Roma.

De foragido à Cavaleiro

Após a fuga de Roma, Caravaggio passou por diversas cidades fora da jurisdição papal. Enquanto vivia se mudando, seus amigos romanos procuravam obter o perdão do papa para que o amigo artista pudesse retornar à cidade.

Em 1607, Caravaggio foi para a Ilha de Malta e lá se juntou aos cavaleiros malteses.

Durante sua estadia na ilha, produziu muitos quadros, sendo que alguns desses são considerados muito famosos, como "A Decapitação de João Batista".

A decapitação de João Batista - Caravaggio
A Decapitação de João Batista | Fonte: Creative Commons

Seus trabalhos lhe garantiram a honra de Cavaleiro da Ordem da Obediência, além de outras condecorações, presentes e escravos à sua disposição.

Apesar da sua fama e dos seus trabalhos, o temperamento do artista novamente começou a dificultar os seus caminhos. Caravaggio chegou a ofender um dos cavaleiros da ordem e foi preso, mas com ajuda de amigos conseguiu fugir para a Sicília. Nesse momento, todas as suas condecorações lhe foram tiradas.

Agora, ele não era apenas um foragido de Roma, mas também dos Cavaleiros de Malta.

O curioso é que, ao mesmo tempo que fugia da justiça, Caravaggio era um artista famoso e ganhava um valor de dinheiro considerável por suas obras.

O perdão perdido

Apesar de se mudar constantemente com o intuito de fugir de seus perseguidores, Caravaggio acabou sendo encontrado e ferido gravemente.

A notícia de seu estado de saúde chegou à Roma, e seus amigos intensificaram os esforços para garantir o seu perdão, possibilitando com que pudesse retornar à cidade.

Os esforços acabaram dando bons frutos, e o Papa Paulo V estava pronto para lhe conceder o perdão. Sabendo dessa possibilidade, Caravaggio partiu direto para Roma.

Em 1610, desembarcou em Porto Ércole, a poucos quilômetros de Roma. No entanto a sorte não estava ao seu lado e acabou sendo preso por engano. Ficou dois dias enclausurado e quando saiu, viu que seu barco e bens haviam sumido.

Nessa situação, Caravaggio entrou em desespero e, depois de tanto andar pela praia, acabou desmaiando acometido por uma febre muito forte.

Infelizmente, Caravaggio morreu poucos dias depois de ter sido acamado e nunca conseguiu retornar à Roma. O perdão foi concedido, mas o artista não conseguiu viver para ver seu nome limpo.

Durante séculos, a morte de Caravaggio foi um mistério. Até mesmo o seu corpo permaneceu perdido durante muito tempo, sendo encontrado em 2010, após análises de DNA feitas por universitários italianos.

Em 2018, um estudo revelou a verdadeira causa da morte do artista. Caravaggio morreu de uma infecção causada por uma bactéria chamada "Staphylococcus aureus". Ele a teria contraído em uma briga, cerca de um mês antes de sua morte.

Dica de Leitura: A Arte Imita a Vida - O Efeito Pop Art

A arte de Caravaggio

Ao mesmo tempo que as obras de Caravaggio eram apreciadas por muitas pessoas, elas também chocavam muitas outras.

Além do alto realismo que aplicava em seus quadros, a obra de Caravaggio é marcada pela alta dramaticidade, podendo provocar emoções fortes no público. Algumas pessoas até se recusavam a comprar suas obras, e muitas outras o acusavam de profano, por retratar passagens religiosas e mitológicas de forma mais intensa.

Essas características de sua arte, colocavam Caravaggio em um ponto oposto aos colegas artistas da época.

Enquanto o comum era retratar a perfeição e formas angelicais, Caravaggio buscava algo mais palpável, rude e, muitas vezes, mundano.

Para ele, não havia o receio em representar cenas provocadoras, deformidades, feiúra e outros aspectos que iam na contramão de outros artista da época.

Os Trapaceiros - Caravaggio
Os Trapaceiros | Fonte: Creative Commons

Para isso, Caravaggio buscava modelos humanos, como comerciantes, garçons, prostitutas e até mesmo bandidos. Ele sempre buscava pessoas reais e as retratava exatamente como as via, sem grandes idealizações. Simplesmente humanas e do mundo.

O amante da luz e da sombra

Outra característica marcante nas obras de Caravaggio é o uso magistral da luz e da sombra.

Essa técnica se chama Chiaroscuro e utiliza grandes contrastes de luz e sombra para acentuar a profundidade nos quadros e pinturas.

Já o Tenebrismo é visto como uma radicalização do Chiaroscuro, utilizando ao extremo a questão dos contrastes, luz e sombra.

Caravaggio foi um dos artistas que deram força ao Tenebrismo, sendo a técnica utilizada em praticamente todas as suas obras, principalmente no auge de sua carreira.

A Captura de Cristo - Caravaggio
A Captura de Cristo | Fonte: Creative Commons

Com o Tenebrismo, Caravaggio evidenciava com mais dramaticidade as expressões faciais, o movimento e os detalhes dos corpos de seus modelos, em suas pinturas.

As grandes áreas em sombras contrastavam dando enfoque às áreas de interesse, de acordo com a intenção e ideia do artista.

Sem dúvidas, se não fosse o Tenebrismo e o Chiraroscuro, Caravaggio não teria conseguido produzir obras tão marcantes e provocadoras.

Caravaggio e a fotografia

Caravaggio teve uma jornada curta como artista, falecendo aos 38 anos e produzindo cerca de 100 peças.

Apesar disso, a sua influência ficou marcada e seu estilo baseado no Tenebrismo e no jogo de luzes e sombras inspirou outras artes e artistas até os dias atuais.

Há quem diga que o artista é um dos precursores da fotografia, justamente por pensar no enquadramento, contrastes e domínio da luz e por direcionar os olhos do público para áreas de interesse, assim como fazem fotógrafos contemporâneos.

Caravaggio tinha uma preocupação tão grande com a luz que, se tivesse nascido em outra época, poderia ter sido um grande fotógrafo. Especialistas dizem que é possível reproduzir hoje, com uma câmera fotográfica, as mesmas tonalidades e contrastes de luz  que Caravaggio usava. Isso demonstra como o pintor tinha uma técnica incrível e sabia utilizar bem as luzes em suas obras.

Além disso, há pesquisas e estudos que indicam que Caravaggio utilizava câmeras escuras para ajudar a retratar os modelos e objetos que estava pintando.

A ideia sugerida é que Caravaggio transformou seu estúdio numa grande câmera escura, utilizando lentes e uma fonte de luz. Quando a luz passava pelos objetos e pela lente, ela incidia sobre uma tela, e funcionava como uma fotografia pela qual o artista se guiava.

O vídeo abaixo mostra a PhD Roberta Lapucci demonstrando como que seria a câmera escura de Caravaggio:

Dica de Leitura: História da Fotografia - Tecnologias, Artes e Guerra

Obras famosas

Jovem Baco Doente - Caravaggio
Jovem Baco Doente | Fonte: Creative Commons
Vocação de São Mateus - Caravaggio
Vocação de São Mateus | Fonte: Creative Commons
Narciso
Narciso | Fonte: Creative Commons
Medusa
Medusa | Fonte: Creative Commons
A incredulidade de São Tomé - Caravaggio
A Incredulidade de São Tomé | Fonte: Creative Commons
Davi Com A Cabeça de Golias
Davi Com a Cabeça de Golias | Fonte: Creative Commons
São Gerônimo que escreve
São Gerônimo que Escreve | Fonte: Creative Commons

Caravaggio foi um pintor que inovou não somente no uso de luz e sombra, como também na visão em que retratava o divino, as religiões e o mundo.

Estudar sua obra é uma oportunidade para se aprofundar não somente em técnicas de pintura, mas também em fotografia.

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