Relembrando um ditado popular, dependendo da perspectiva, podemos dizer que um copo está meio cheio ou meio vazio. Sem querer entrar no mérito de visões otimistas ou pessimistas, fica claro que um mesmo objeto pode ser visto de várias formas diferentes. O mesmo acontece em design quando analisamos um problema para ser resolvido, e essa visão chamamos de Multiple Perspective Problem Framing.
A ideia dessa visão é enxergar sob diversas óticas e perspectivas um mesmo problema, para que possamos estimular o processo criativo e de inovação.
Continue a leitura e entenda mais sobre esse conceito!
O design e a solução de problemas
Uma das teclas que a gente sempre bate nos conteúdos da Aela é que Design não se preocupa somente com a parte visual e estética dos produtos.
Aliás, uma das grandes questões do UX Design é justamente não trabalhar apenas para a estética, gostos e opiniões pessoais, mas sim para resolver problemas das personas, ou seja, de quem for utilizar o produto.
Portanto, uma das responsabilidades do designer é efetuar pesquisas e saber identificar qual o problema que deve ser solucionado, através de um novo produto, ou uma atualização de algo já existente.
Nesse sentido, existem alguns processos e metodologias que ajudam na etapa de descobrimento e identificação do problema, como o Double Diamond e o Design Thinking.
Essas abordagens são bastante interessantes e funcionam extremamente bem, sendo muito utilizadas por diversos designers. Dá uma lida nestes nossos artigos para você entender melhor esses conceitos:
No entanto, a identificação do problema através dessas metodologias é, de certa forma, restrita porque busca analisar e identificar o problema a partir de uma única perspectiva, geralmente funcional e que atenda a necessidade das pessoas usuárias.
Para considerar outras perspectivas e considerar objetivos mais integrados, existe um conceito chamado MPPF: Multiple Perspective Problem Framing.
Uma outra abordagem: Multiple Perspective Problem Framing
O Multiple Perspective Problem Framing é um modelo, uma ferramenta que permite que os designers consigam enxergar soluções de diversas perspectivas sobre um mesmo problema.
O objetivo maior dessa técnica — e descrito pelo seu autor, Stuart English (2008) — é identificar valores, estudando um problema ou um cenário a partir de diversas lentes e formas.
Nesse caso, valores significa oportunidades de negócio que atendem tanto os objetivos comerciais e estratégicos da empresa, quanto as necessidades dos clientes e de pessoas usuárias dos produtos.
Além disso, por conta dessa abordagem mais ampla, o Multiple Perspective Problem Framing incentiva o pensamento criativo dos designers. Dessa forma, a preocupação se expande para além do que fazer, e contempla o como fazer.
Dica de Leitura: O UX Design Limita a Criatividade?
Como utilizar o Multiple Perspective Problem Framing?
Stuart English é um especialista em design para inovação, professor na Universidade de Northumbria e é o autor responsável por desenvolver a abordagem de Multiple Perspective Problem Framing.
Em um dos seus artigos, English aborda conceitos e visões interessantes que ajudam a entender melhor o que é o MPPF. No entanto, não é como se tivesse descrevendo um passo a passo, mas explicando conceitos que embasam o MPPF.
Nesse sentido, English aborda temas como:
- Criar valor através do design;
- Modelo Cognitivo de Problem Space;
- Cornerstones Of Innovation.
1) Criar valor através do design
Um dos papéis do design é desenvolver produtos que proporcionem valor para as pessoas, atendendo suas necessidades e as ajudando a resolver problemas.
De maneira geral, o design consegue aumentar o valor de um produto melhorando seus aspectos funcionais e de usabilidade. Dessa forma, um produto melhorado proporciona mais oportunidade para resolver as necessidades das pessoas.
No entanto, é importante que os designers entendam que existem diversas fontes de valor que podem ser atribuídas a um produto. A utilização do Multiple Perspective Problem Framing traz à luz justamente essas outras fontes:
- Valor funcional: o que o produto faz e como suas funcionalidades ajudam as pessoas usuárias;
- Valor Experiencial: a experiência das pessoas usuárias sobre como o produto funciona e resolve seus problemas;
- Valor do Significado Social: qual rótulo ou status social o produto proporciona para quem o usa.
Do ponto de vista de inovação, é muito raro um produto compreender alta significância nas três categorias acima. Portanto, a ideia é utilizar este conceito para identificar qual a melhor estratégia de valor para o desenvolvimento de um produto.
2) Modelo Cognitivo de Problem Space
English e seus colegas Nathan e Whitcome desenharam um modelo que leva em consideração as 3 categorias de valor definidas acima.
Esse modelo é o Problem Space Diagram e é uma ferramenta importante para a Multiple Perspective Problem Framing, porque dá foco na relação entre os valores, ao invés de em uma visão única.
Nesse sentido, o Problem Space Diagram contempla a visão sobre o que, como e em qual contexto o produto está sendo desenvolvido.
Perceba que na representação acima, o valor funcional (o que) é restringido para dar mais espaço para o valor experiencial (como).
Isso quer dizer que a função e recursos de um produto podem ser deixadas em segundo plano? Claro que não! Esse é justamente o objetivo do MPPF, organizar todos os valores envolvidos para garantir um processo de inovação eficiente.
Mapa Mental Integrado
A partir do Problem Space Diagram, podemos começar a trabalhar o conceito de Mapa Mental Integrado, criado com base na teoria de Mapa Mental, de Tony Buzan.
O Mapa Mental de Buzan é uma ferramenta que permite destravar ideias, dando mais abertura para a criatividade. A questão é que essa versão do Mapa Mental é construído a partir de uma única perspectiva.
O que o Mapa Mental Integrado propõe é a construção do mapa a partir de vários pontos de partida, ou seja, várias perspectivas baseadas nos valores funcional, experiencial e de significado social.
Stuart English aponta que os designers podem utilizar o Mapa Mental Integrado para:
- desenvolver e comunicar sua estrutura cognitiva em relação a uma área de estudo ou investigação;
- facilitar a exploração da própria consciência sobre o problema e as possíveis soluções;
- enriquecer o entendimento do problema a partir de diversas perspectivas e pontos de partida;
- mover o problema para as diversas perspectivas e identificar soluções diferentes;
- alinhar ideias conflitantes vindas de diferentes pontos de vista.
Nesse sentido, é possível entender a relação entre os valores e faz com que os designers visualizem com mais flexibilidade o Problem Space Diagram, conseguindo mudar de perspectiva com mais facilidade.
O Mapa Mental Integrado permite visualizar o problema de maneiras diferente e, portanto, incentiva que o processo de inovação contemple soluções mais abrangentes.
Apesar do Mapa Mental Integrado ser essencial no Multiple Perspective Problem Framing, é importante usá-lo com cautela. Se muitos pontos de partida são definidos para serem trabalhados, o mapa pode criar um resultado muito complexo, com muitas vertentes e perspectivas diferentes. Nesse caso, os designers podem acabar tendo mais trabalho para refinar o problema e as soluções.
Dica de Leitura: Brainstorming - Técnicas Para Destravar Suas Ideias
3) Cornerstones of Innovation
Cornerstones of Innovation trata justamente do limite cognitivo das pessoas que se converte em um número ótimo de perspectivas que podem ser trabalhadas ao mesmo tempo dentro do Problem Space Diagram e do Mapa Mental Integrado.
English determina que o ideal é trabalhar com 6 ou 7 fatores/ perspectivas no Mapa Mental Integrado e no Problem Space Diagram. Esse número é o máximo de amplitude cognitiva suportado para trazer eficiência no processo de inovação, sem prejudicar o lado psicológico das pessoas.
Cada 'cornerstone' pode referir diretamente a um dos valores (funcional, experiencial ou de significado social) ou a fatores correlacionados e que são importantes para o processo de desenvolvimento do produto.
O impacto do Multiple Perspective Problem Framing nos negócios
Se por um lado o design e a experiência do usuário deixam de ser vistos apenas como soluções estéticas e visuais, por outro lado a sua influência na estratégia das empresas aumenta.
Nós já escrevemos artigos abordando essa importância do UX nos negócios:
Ao optar por uma abordagem múltipla, como a Multiple Perspective Problem Framing, é possível considerar diversas perspectivas que ajudam o negócio, sem deixar de lado as questões funcionais e de experiência do usuário.
Nesse sentido, utilizar o Mapa Mental Integrado considerando questões estratégicas para o negócio é importante para que o processo de inovação seja sustentável e traga benefícios para as empresas.
Jay Galbraith (1995) montou um modelo que chamou de Star Model, em que categoriza 5 políticas essenciais dentro de um conceito que chamou de Design Organizacional.
Cada uma dessas políticas pode servir como uma perspectiva diferente dentro do Mapa Mental Integrado e do Problem Space Diagram, de Stuart English. São eles:
- Estratégia: relacionada ao direcionamento da empresa;
- Estrutura: relacionado ao organograma e onde são feitas as tomadas de decisão;
- Processos: relacionado ao processo de fluxo de informação;
- Recompensa: relacionado à motivação das pessoas que trabalham na empresa;
- Pessoas: relacionado às definições de mentalidade e habilidades dos funcionários.
Esses fatores por si só já estabelecem um Mapa Mental Integrado. No entanto, é possível combinar esses fatores com outras características organizacionais mais voltadas para a performance, como por exemplo as listadas por De Waal (2006):
- Design Organizacional;
- Estratégia;
- Processos organizacionais;
- Tecnologia;
- Liderança;
- Indivíduos e Papéis;
- Cultura;
- Ambiente.
Ou ainda com qualquer outra perspectiva que faça sentido para a empresa que desenvolve o produto.
A questão importante é utilizar esses diversos pontos de vista, juntamente com o Multiple Perspective Problem Framing, Problem Space Diagram e o Mapa Mental Integrado para identificar problemas e encontrar soluções que satisfaçam os objetivos do negócio, sem prejudicar as questões de design funcional, visual e de experiência do usuário.
Tal abordagem múltipla é poderosa para processos de inovação disruptivos e alavancar os resultados das empresas. Stuart English, inclusive, aplica o MPPF desde 2002 e com isso já ajudou diversas empresas a criarem novos produtos, resultando num grande portfólio de propriedade intelectual.
Considerações finais
Embora o Multiple Perspective Problem Framing seja uma abordagem muito poderosa para o processo de inovação, não quer dizer que os outros métodos sejam ineficazes ou inferiores.
Portanto, cada metodologia tem os seus prós e contras e cabe ao designer entender quais as necessidades e objetivos melhor se adequam ao projeto.