The Great Resignation é um termo criado por Anthony Klotz, professor associado da Texas A&M University (Mays Business School), para descrever um movimento de demissão em massa, e voluntária, da força de trabalho.
Em outras palavras, The Great Resignation significa que há muitas pessoas pedindo demissão de seus empregos atuais e indo para outras empresas.
De maneira geral, a The Great Resignation acontece quando o país está economicamente estável, ao contrário de épocas de crise e insegurança, em que as pessoas têm mais receio de pedir demissão de forma voluntária.
A grande questão em foco é que esse movimento de êxodo está acontecendo em um momento em que ainda vivemos uma pandemia e, a saber, as economias não estão estáveis.
Então, por que será que esse movimento está acontecendo nesse momento, a princípio, contraintuitivo?
The Great Resignation apareceu do nada?
Apesar da Great Resignation ser um assunto bastante atual nesse segundo ano pandêmico (2021), esse movimento não aconteceu do nada e não deveria ser uma surpresa tão grande quanto está sendo.
É verdade que os números de pedidos de demissão vem aumentando nos EUA. De acordo com um relatório do U.S Bureau of Labor Statistics, publicado em novembro de 2021, 4,4 milhões de pessoas pediram demissão, representando uma taxa de 3%, o maior valor da história desde que começaram a ser apurados, em 2001.
Adicionalmente, no mesmo relatório, consta que existem cerca de 10,4 milhões de vagas abertas.
No gráfico acima podemos ver a linha apontando para os 3% em setembro de 2021. Mas, observando o histórico, percebemos que a taxa de demissões vem crescendo há mais de uma década.
Portanto, o movimento de demissões voluntárias já vinha apresentando a tendência de crescimento. Claro que a pandemia teve influência nesses números, em um primeiro momento, fazendo com que a taxa caísse, mas depois subisse com bastante força.
O efeito da pandemia
É natural pensar que a pandemia teria um efeito negativo nos empregos, tendo em vista o impacto nas economias dos países.
De fato, conforme o gráfico acima, a taxa de pedidos de demissão caiu bruscamente no início da pandemia. O movimento foi natural e esperado por conta das incertezas frente à crise.
No entanto, o que chama atenção é o aumento da taxa em poucos meses e a sua tendência de crescimento mesmo sem a pandemia ter terminado, caracterizando, assim, o conceito de The Great Resignation.
Para explicar esse efeito, existem algumas considerações e possibilidades:
Altas demandas e burnout
A pandemia fez com que algumas indústrias e mercados tivessem um grande aumento da demanda, como empresas de entrega e de tecnologia, por exemplo.
O aumento da demanda e o trabalho excessivo, somados ao momento de crise, receios, incertezas e má gestão de pessoas pode ter causado mais casos de burnout e outros distúrbios psicológicos em diversos tipos de profissionais.
Com a necessidade de melhorar a saúde mental, a Great Resignation pode ter como um de seus fatores a busca por melhores condições de trabalho.
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Novos desafios e objetivos profissionais
Outro fator que pode ter ajudado na Great Resignation, a partir da pandemia, é a reflexão e a necessidade de novos objetivos, desafios e propósito profissionais.
Por conta da implementação do trabalho remoto, muitos diferenciais de facilities das empresas se tornaram "obsoletos", como espaço para video-game, mesa de sinuca, sala de descompressão e até a geladeira com bebidas e petiscos gratuitos.
Se retirarmos essas variáveis, o que resta? O próprio trabalho em si.
E a partir dessa reflexão sobre o "que é o meu trabalho" e "quais são meus objetivos profissionais reais", muitas pessoas podem ter começado e procurar novos desafios em empresas que proporcionem esse novo propósito para elas.
O trabalho remoto e novas possibilidades
A pandemia também trouxe a adaptação de diversas empresas ao trabalho remoto. Dessa nova forma de trabalho, há quem goste, há quem não goste.
Mas indo além das opiniões pessoais, uma coisa é fato: mudamos a visão que tínhamos sobre o trabalho remoto e essa nova forma possibilita que profissionais trabalhem em empresas de qualquer lugar do mundo, estando em casa.
Profissionais cuja área de atuação permite a facilidade do trabalho remoto estão procurando cada vez mais empregos sem uma limitação geográfica rigorosa.
Essa mudança de mentalidade com formatos de trabalho, fortalecido por conta da pandemia, também pode ter influenciado o movimento de Great Resignation.
Qual o perfil do movimento de Great Resignation?
Quando ouvimos falar no movimento de The Great Resignation, pode parecer que as empresas e mercados, de forma geral, estão tendo o mesmo comportamento de êxodo.
No entanto, existem áreas e tipos de profissionais mais propensos a pedir demissão e que encabeçam as altas taxas da Great Resignation.
Nesse sentido, Ian Cook e sua equipe, da Harvard Business Review, efetuaram uma pesquisa para tentar descobrir qual o principal perfil de profissionais que estão pedindo demissão em massa.
As conclusões dessa pesquisa foram:
- As taxas de demissão são mais altas nos profissionais no meio da carreira;
- As taxas são altas nas áreas de tecnologia e saúde.
Profissionais no meio da carreira
A taxa de pedidos de demissão foi, em média, 20% maior para os profissionais na faixa etária entre 30 e 45 anos.
Esse número elevado pode ter sido causado por três motivos:
- As empresas estão dando preferência para a contratação dessa faixa de profissionais, aumentando a demanda;
- Os profissionais já estavam pensando em pedir demissão antes da pandemia, mas se viram forçados a atrasar esse movimento, que acabou sendo mais unificado e concentrado durante esses últimos meses;
- Os profissionais atingiram o máximo da tolerância com relação ao burnout e alta demandas de trabalho e resolveram buscar novas oportunidades.
Áreas de tecnologia e saúde
As taxas de pedido de demissão de profissionais da saúde aumentaram 3,6%, enquanto as de profissionais da tecnologia aumentaram 4,5%. Os dois números estão acima da média geral, que ficou em 3%.
De maneira geral, e já abordado nesse texto, a pesquisa de Ian Cook indicou que as áreas que tiveram aumento da demanda e maior estresse por conta da pandemia tiveram maiores taxas de pedidos de demissão.
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A Great Resignation é sobre forças econômicas, sociais e psicológicas
Nesse artigo já observamos alguns dos principais fatores que podem estar causando esse movimento de Great Resignation.
Mas esse fatores isolados não são suficientes para justificar esse movimento. Todos eles precisam acontecer juntos, de uma única vez.
Segundo Stephen Courtright, professor e diretor de educação executiva da Universidade de Iowa, a junção de forças econômicas, sociais e psicológicas pode ter sido a responsável pelo que chamamos de Great Resignation.
Para Stephen, a composição de cada uma dessas forças acontece da seguinte forma:
Forças econômicas
- Mudança na dinâmica do mercado: com mais vagas do que candidatos, a força da escolha fica na mão dos profissionais, diferente de anos atrás, quando havia mais pessoas e menos vagas;
- Demissões reprimidas: a vontade de pedir demissão vem antes da pandemia, mas com a crise sanitária surgiram incertezas e os profissionais reprimiram essa vontade. Hoje, com mais segurança, as pessoas apenas cumpriram com o que já desejavam;
- Melhores salários e benefícios: com menos candidatos disponíveis, as empresas começaram a melhorar seu pacote de salário e benefícios para se tornarem mais atraentes para o mercado.
Forças sociais
- Flexibilidade de trabalho: com a pandemia, a flexibilidade do trabalho remoto é um fator importante que os profissionais buscam cada vez mais;
- Segurança: os profissionais procuram empresas e oportunidades que proporcionem segurança física e psicológica, para eles e para suas famílias.
Forças psicológicas
- Redução das incertezas: com mais vagas do que candidatos, as pessoas têm mais tranquilidade e menos aversão aos riscos e, portanto, consideram mudar de empresa com mais facilidade;
- Burnout e insatisfação: já comentamos o quanto a saúde mental pode ser decisiva para fazer com que as pessoas peçam demissão. Na pandemia, com aumento de trabalho, a insatisfação e o burnout podem ter se tornado mais comuns;
- Busca por equilíbrio e propósito: o isolamento e o medo da pandemia trouxeram reflexões para as pessoas, que passaram a buscar um propósito profissional e um equilíbrio mais adequado com a vida pessoal.
A junção dessas forças transforma o contexto num momento perfeito para que as pessoas decidam pedir demissão e procurem oportunidades em outras empresas.
Great Resignation na área de tecnologia
Como visto, a área de tecnologia é uma das responsáveis por puxar o número de pedidos de demissão para cima, nos EUA.
A TalentLMS e a Workable efetuaram uma pesquisa para entender e aprofundar mais no impacto dos profissionais de tecnologia na Great Resignation.
Logo de começo, temos um número muito significativo: 72% dos pesquisados dizem pensar em sair do emprego ou explorar novas oportunidades nos próximos 12 meses. Esse número é bem superior aos 55% da média total dos EUA.
Por que os profissionais em tecnologia estão saindo de seus empregos?
A pesquisa também elencou os principais motivos que têm feito com que profissionais em tecnologia peçam demissão de seus empregos atuais.
O motivo que lidera a pesquisa é a falta de progressão em carreira, com 41%. Junto à ele estão motivos que já vimos ao longo desse artigo, o que fortalece ainda mais essas questões.
Falta de flexibilidade e ambiente tóxico são os outros dois motivos mais frequentes que alimentam a Great Resignation em tecnologia.
Algo interessante para se notar é que, enquanto em outras áreas a falta de opções de trabalho remoto seja algo latente, para profissionais em tecnologia esse motivo não é dos mais votados, embora tenha 30% dos entrevistados.
Talvez isso aconteça porque a área de tecnologia já vinha trabalhando com um formato remoto há mais tempo. Em UX Design isso já acontecia bastante, e com a pandemia esse modelo se fortaleceu.
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O que profissionais em tecnologia procuram em novas oportunidades e o que os mantêm motivados?
Outra pergunta que a pesquisa da TalentLMS procurou responder foi o que profissionais procuram em novas oportunidades, em outras empresas.
Disparado em primeiro lugar está o fator salário e benefícios.
Logo em seguida, a pesquisa indicou que desenvolvimento de habilidades e flexibilidade de trabalho são outros dois fatores que profissionais mais procuram em outras empresas ou oportunidades.
Em linha com esse resultado, temos também os fatores que mantêm as pessoas motivadas em seus trabalhos.
O primeiro fator motivacional apontado pelas pessoas pesquisadas foi a oportunidade de ter mais treinamento e aprendizado.
Com isso, alinhado com o desenvolvimento de habilidades ser um dos fatores analisados para se mudar de emprego, podemos considerar que treinamento e aprendizado podem ajudar a reter pessoas nas empresas.
Além disso, os treinamentos não envolvem apenas questões técnicas, é importante também considerar o desenvolvimento de soft skills. No longo prazo, competências como comunicação, liderança e empatia também podem ajudar na retenção de pessoas, tendo em vista que essas habilidades ajudam a construir um ambiente menos tóxico.
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Burnout
Esse tópico está bastante recorrente nesse texto, mas é importante ressaltar que esse distúrbio é real e vem acontecendo bastante, também de acordo com a pesquisa da TalentLMS.
Cerca de 58% das pessoas pesquisadas responderam que sofrem da síndrome de burnout.
Nesse sentido, é importante pontuar que o burnout é uma doença causada exclusivamente por conta de ambientes de trabalhos ruins e mal administrados.
A OMS, inclusive, atualizou a classificação da Síndrome de Burnout, antes considerada como um problema de saúde mental e um quadro psiquiátrico. Com a atualização, o burnout passa a estar totalmente vinculado ao trabalho, sendo "estresse crônico de trabalho que não foi administrado com sucesso". A nova classificação foi aprovada em 2019 e entrará em vigor em 2022.
Essa mudança relaciona a doença ao trabalho e não à pessoa, portanto, fortalece ainda mais a premissa de que as empresas devem olhar para o bem-estar e qualidade de vida de seus funcionários.
Esse alerta é importante também para as empresas brasileiras. Em uma pesquisa efetuada pela Randstad, 81% dos brasileiros dizem querer mais equilíbrio entre a vida profissional e pessoal. Para comparação, a média global é de 67%.
O que as empresas podem fazer para reter profissionais?
A pesquisa da TalentLMS também traz alguns insights para que as empresas consigam reter profissionais frente à The Great Resignation:
Olhe para dentro mais do que pra fora: na pesquisa, 3 a cada 4 participantes responderam que as empresas onde trabalham priorizam novas contratações ao invés de fazer a manutenção dos funcionários já existentes.
Essa atitude precisa mudar porque a retenção de pessoas está diretamente ligada ao ambiente e na relação funcionário-empresa. Enquanto as empresas não olharem e nutrirem as pessoas que já trabalham ali, fica difícil conseguir aumentar a taxa de retenção.
Forneça treinamentos e oportunidades de desenvolvimento: como visto, as pessoas valorizam treinamentos e desenvolvimento de carreira. Isso com certeza ajuda tanto na retenção de profissionais, como no aumento das capacidades e do nível de habilidade dos funcionários.
Além disso, proporcionar treinamentos ajuda a passar uma mensagem de que a empresa se importa e está investindo no desenvolvimento de seus funcionários.
Ofereça flexibilidade e preze pela qualidade de vida: horários flexíveis e trabalho remoto não são mais novidades para a área de tecnologia. Mas é importante que as empresas entendam que essas formas de trabalho ajudam a reter as pessoas e isso influencia diretamente na qualidade de vida e na saúde mental dos profissionais.
É importante que as empresas tenham em mente que as pessoas estão prezando cada vez mais pelo equilíbrio entre a vida profissional e pessoal, principalmente depois das reflexões que a pandemia proporcionou.
Como a Great Resignation afeta o UX Design?
Se um dos mercados que mais afeta a Great Resignation é o de tecnologia, é claro que a área de UX Design também é impactada com isso.
No entanto, é importante ressaltar que a área de UX vem crescendo bastante nos últimos anos e a tendência é só aumentar.
Segundo um estudo da NN/g, a perspectiva é que em 2050 existam 100 milhões de profissionais de UX no mercado.
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Um dos fatores que contribuem para a Great Resignation é justamente a mudança na dinâmica dos mercados, ou seja, há mais vagas do que candidatos. Essa é uma realidade que a área de UX já vivia e, agora, talvez se impulsione ainda mais.
Pelo lado das empresas, a retenção de talentos é um desafio que precisa ser sobreposto, já pelo lado dos profissionais, quanto mais empresas se adequarem a essa nova realidade, melhor.
Essas mudanças significam melhores oportunidades em questões financeiras, sociais e psicológicas.
É fato que UX Designers já se beneficiam de fatores que ainda são tabu em outras áreas, como o trabalho totalmente remoto, por exemplo. Mas isso não quer dizer que o UX Design não se beneficiará também com as mudanças que as empresas devem proporcionar para reter seus profissionais.
De maneira geral, a Great Resignation é um indicativo de que a mentalidade dos profissionais, sejam de tecnologia ou não, está mudando e que as empresas precisam acompanhar e se adequar a esse novo formato para conseguir reter as pessoas e manter a sua competitividade.